segunda-feira, 4 de junho de 2007

se ficarmos assim..aí a coisa complica.


Mais do Coronel Sarney...


Sob a ira dos coronéis

POR LEANDRO FORTES
Data: 03/04/2006 Fonte: Carta Capital - Internet
NO ESCURO Premiado por defender os direitos humanos, o juiz Luís Jorge Silva Moreno quis levar luz elétrica aos grotões do Maranhão. Foi afastado por uma rápida orquestraçãoAs festas juninas ainda estão longe, mas o arraial do município maranhense de Santa Quitéria, a 350 quilômetros da capital, São Luís, armarva-se em festa, na semana passada, para receber, na sexta-feira 31, um herói local da resistência. Em Brasília, dez dias antes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) havia concedido uma medida liminar obrigando o Tribunal de justiça do Maranhão a reintegrar à comarca de Santa Quitéria o juiz Luís Jorge Silva Moreno. Afastado do cargo dois meses antes, o magistrado havia sido punido por ter tido a suprema ousadia de bater de frente com os interesses de políticos ligados ao clã do senador José Sarney (PMDB).A história do juiz Jorge Moreno é um pequeno retrato de como as elites nacionais reagem com quem mexe em seus currais eleitorais. Juiz titular da comarca de Santa Quitéria, Moreno recebeu, em 2004, um prêmio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, reconhecido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da ONU, por ter comandado a erradicação - único caso no Brasil - do subregistro civil de certidões de nascimento no município onde trabalha. A ação, no entanto, desagradou aos políticos do grupo de Sarney e aliados da oligarquia local, a ponto de se ter iniciado uma campanha persecutória que culminou com o afastamento do magistrado pelos desembargadores do Tribunal de justiça do Estado. "A emissão de certidão de nascimento sempre foi uma moeda de troca nas eleições", denuncia Moreno.O pecado capital de Jorge Moreno, em princípio, foi o de garantir certidão de nascimento para os brasileiros de Santa Quitéria (30 mil almas no Semi-Árido maranhense, onde 12% não tinham registro civil algum). Mas ele também ousou colocar a mão em uma cumbuca de 300 milhões de reais destinados ao Maranhão pelo programa Luz para Todos, do governo federal. Ao assumir o cargo de juiz do município, em 2004, uma das primeiras providências do magistrado foi a de dar andamento a uma ação civil pública do Ministério Público Estadual contra a Companhia Energética do Maranhão (Cerrar), logo depois de sua privatização. O MP acusou a empresa de prestar maus serviços ao contribuinte local. Apenas em multas, a Cerrar devia 12 milhões de reais.Para resolver o problema, o juiz Jorge Moreno fechou um acordo, em 2005, que incluía uma obra de ajuste em todo o sistema de fornecimento de energia elétrica de forma a garantir a participação de Santa Quitéria no programa Luz para Todos, junto com outras 20 comunidades da região. Foi quando o Tribunal de justiça agiu pela primeira vez: suspendeu a multa da Cerrar no meio das negociações. Mas não houve prejuízo, porque o acordo já estava feito. O magistrado, então, estabeleceu um cronograma de cadastramento. A int romissão iria lhe custar caro.Em 29 de janeiro de 2005, ele foi convidado pelo então coordenador nacional do programa, João Ramiz, para participar da inauguração da rede elétrica, dentro do Luz para Todos, no distrito de Lagoa Seca, próximo a Santa Quitéria. Chamado a discursar, lembrou que as prioridades do programa deveriam ser determinadas pelos conselhos comunitários, e não por políticos, haja vista que 68% das residências da região não terem energia, até então. Lembrou, ainda, que no Maranhão há 300 mil famílias (1,5 milhão de pessoas) sem luz elétrica, em pleno século XXI.Além disso, 10 mil escolas maranhenses funcionam sem energia, como se ainda estivessem na Idade Média. "Isso bastou para que alegassem que eu tinha exacerbado as minhas funções"; disse.De fato, o programa Luz para Todos (orçamento de 2,6 bilhões de reais para 2006) está totalmente controlado pelo senador José Sarney. De sua bolsa de aliados do Maranhão ele indicou o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, o diretor nacional do programa, José Ribamar Lobato Santana, e o coordenador estadual maranhense, Luiz Adriel Vieira Neto. "Por causa disso, quem está fazendo as inaugurações do Luz para Todos no estado é o PFL", reclama o juiz Jorge Moreno. No Maranhão, o PFL é controlado pela senadora Roseana Sarney, filha do senador.Em seguida ao discurso do juiz, orquestrou-se, então, uma série rápida de ações. O deputado estadual Max Barros, do PFL, entrou com uma ação disciplinar contra o magistrado no TJ. O relator do caso foi o desembargador Milhão Vasconcelos Gomes, sogro de outro desembargador, Jamil Gedeon Neto, indicado por Roseana Sarney. Contou com a ajuda e o entusiasmo da desembargadora Nelma Sarney, casada com Ronaldo Sarney, irmão do senador. Max Barros, autor da ação, foi secretário de governo de Roseana.Na votação em plenário, o juiz perdeu por 7 a 6. Na liminar concedida pelo CNJ, o relator do processo, conselheiro Eduardo Lorenzoni, conclui que o afastamento de Jorge Moreno foi ilegal. Isso porque a Constituição estabelece que as decisões administrativas dos tribunais devem acontecer em sessão pública, e as punições só podem ser aplicadas pelo voto da maioria absoluta dos membros da corte. Moreno, além de ter sido afastado de forma irregular, nem sequer foi notificado oficialmente do ato. Um dia, foi trabalhar e tinha uma juíza substituta em seu lugar.Por dois meses, o juiz Jorge Moreno ficou em São Luís, inativo e deprimido, por motivo de segurança. Temia represálias físicas se voltasse para Santa Quitéria. O nome do município, inclusive, tornou-se uma categoria dentro das premiações da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em homenagem à façanha do juiz no caso dos sub-registros de nascimentos. Ele conta com o apoio de diversas entidades ligadas a movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra, além de representantes de programas de proteção a defensores de direitos humanos.Ex-militante estudantil e ex-advogado do Centro de Defesa Padre Marcos Passerini, entidade de defesa de direitos humanos no Maranhão, o juiz Jorge Moreno diz nunca ter sido do PT - outro pecado do qual foi acusado pelos aliados de Sarney. Quando começou o processo administrativo que resultou em seu afastamento, percebeu que seria obrigado a deixar Santa Quitéria: os funcionários públicos locais, inclusive o delegado, deixaram, simplesmente, de cumprir as ordens judiciais dele emanadas. Ele conta com o apoio do governador José Reinaldo, neo-inimigo dos Sarney, sobretudo no que diz respeito à aplicação dos recursos do Luz para Todos no estado.Procurado por CartaCapital na terça-feira 28, o diretor nacional do Programa Luz para Todos, José Ribamar Lobato Santana, primeiro dispôs-se a falar sobre o assunto com a revista. Ao consultar o ministro Silas Rondeau sobre o teor da entrevista, voltou atrás. No dia seguinte, no entanto, mudou de posição. Por telefone, garantiu só "ter ouvido falar" do juiz Jorge Moreno. O magistrado, segundo ele, jamais encaminhou qualquer reclamação formal ao programa. Santana garante que as execuções das ligações de energia no Maranhão - 51.668 de 2004 até hoje - não foram feitas a partir de critérios técnicos, mas por orientação do comitê gestor estadual. O que é verdade. Assim como é verdade que o tal comitê, formado por nove membros, é majoritariamente dominado por pessoas indicadas pelos aliados de José Sarney.José Ribamar Santana garante que não é filiado a partido algum, mas foi candidato a prefeito, nos anos 80, no município de São José de Ribamar. Na época, era filiado ao Partido Social Liberal (PSL), sigla nanica que gravitava em torno do entourage sarneysista no Maranhão. Ele é técnico da Eletronorte há 20 anos. O diretor do programa Luz para Todos admite freqüentar as inaugurações das obras no estado, mas afirma fazer isso em todo o País. "No Maranhão, como nos outros estados, é tudo feito da forma mais transparente possível", diz.
PECADO POLÍTICO Ao erradicar o sub-registro civil de certidões de nascimento ern Santa Quitéria, o magistrado tirou uma moeda de troca das mãos dos poderosos
APAGÃO Depois de o juiz desafiar a oligarquia local, as suas decisões deixaram de ser cumpridas pelos funcionários públicos locais, inclusive o delegado.